O contexto no mundo: A Primeira Guerra Mundial e o caos social deixado pelo conflito
As principais batalhas da chamada “A Grande Guerra” ocorreram no território europeu, no período entre 1914 e 1918. Dentre as desastrosas consequências que restaram, aparece o assustador número de mortos e feridos. Ao todo, cerca de 13 milhões de soldados e civis morreram. Estima-se que outros 20 milhões foram feridos ou mutilados.
A assinatura do Tratado de Versalhes, em Paris, na França, em 28 de junho de 1919, encerrou as hostilidades. Era o fim da guerra iniciada em 1914 entre potências europeias, suas colônias e aliados ao redor do mundo. O Tratado de Versalhes devolveu a paz e determinou as consequências do conflito e os rumos das relações no continente e fora dele. Entretanto, além das perdas humanas, os prejuízos materiais foram imensos. A infraestrutura dos países foi profundamente afetada. A Bélgica havia decretado sua neutralidade, mas em flagrante desrespeito às regras a Alemanha invadiu o território belga, que restou completamente destruído ao final. E uma Europa devastada se debatia entre a destruição, o desemprego, a miséria, a fome e outras mazelas sociais. Mesmo os países considerados vitoriosos haviam perdido grande parte de sua população masculina jovem, e quem voltou da guerra estava incapacitado ou com sérios problemas mentais. Era preciso reconstruir o continente e as condições para isto eram precaríssimas. O sofrimento imposto aos europeus atingia a todas as classes em todo o continente. As dificuldades pareciam sem fim.
Mesmo diante do caos, em vários países do continente uma parcela de empresários católicos tentava se organizar para melhorar as condições da classe operária. Eram grupos de dirigentes que tinham vivência com os organismos assistenciais da Igreja. Conheciam a Encíclica Rerum Novarum e seus dispositivos sociais, que chamavam atenção aos cuidados devidos com a classe trabalhadora. Estes grupos iniciaram ações na tentativa de se organizarem, com o objetivo de minorar o sofrimento da sociedade, mais especificamente da classe trabalhadora, que continuava mesmo em tempo de paz.
O Tratado de Versalhes havia selado a paz bélica entre as nações, mas havia muito trabalho a ser realizado até que as condições mínimas de sobrevivência fossem restabelecidas. O acordo de paz também havia deixado enormes discordâncias sobre as consequências para algumas nações que eram consideradas as derrotadas no conflito, como a Alemanha. Os termos e condições que os franceses e ingleses impuseram à Alemanha foram considerados por historiadores como uma punição. Eram condições extremamente duras que infligiriam mais sofrimento ao povo alemão.
Os países tidos como vencedores tinham como objetivo enfraquecer a Alemanha, na tentativa de evitar outra guerra dessa magnitude. Entretanto, estas exigências não atingiram seus objetivos e não foram capazes de evitar outro conflito. Ao contrário, ainda suscitaram nos alemães as condições necessárias para a instauração do Nazismo, o que, muito em breve, apenas vinte anos depois, levou o mundo à Segunda Guerra Mundial, que também se iniciou no continente europeu.
Na América, a história se desenrolara de maneira diferente. Mesmo os Estados Unidos tendo participado da Grande Guerra, sua adesão ao conflito foi tardia e somente em 1917 os americanos entraram efetivamente na Primeira Guerra Mundial. E sem batalhas travadas em seu território o país conservou sua infraestrutura intacta. Associado a isto, havia passado os três primeiros anos da guerra fornecendo enormes quantidades de materiais e equipamentos a países envolvidos no conflito. Isto proporcionou aos americanos um pós-guerra diferente dos europeus. Eles tinham uma economia mais estável e melhores condições de fazer investimentos.
Na década de 1920, o avanço da economia americana havia tornado o país responsável pela produção de 42% de todas as mercadorias produzidas no mundo. A nação estava capitalizada e era também a maior credora do mundo. Os americanos emprestavam vultuosas somas de dinheiro para as nações europeias em processo de reconstrução após a Primeira Guerra Mundial.
Com a indústria em franco desenvolvimento, os Estados Unidos eram responsáveis por comprar 40% das matérias primas vendidas pelas quinze nações mais comerciais do mundo.
Com esse quadro, o país vivia um momento de pleno emprego e rápido crescimento industrial. Entre 1923 e 1929, os Estados Unidos possuíam uma das menores taxas de desemprego da história, que girava em 4% na média. A produção de automóveis no país estava altamente aquecida e aumentou 33% no período. O número de indústrias instaladas no território americano aumentou por volta de 10% e o faturamento do comércio quintuplicou.
Entretanto, toda essa prosperidade estava amparada em bases extremamente frágeis. O crédito desregulado e o crescimento da especulação financeira criaram uma bolha de falsa prosperidade que estava à beira do precipício. A sociedade tornou-se incapaz de perceber o que estava prestes a acontecer.
Em 1929, veio a grande crise econômica com a quebra da Bolsa de Nova York e o desaparecimento de bilhões de dólares cotados em ações que viraram pó. Houve a falência de milhares de empresas e bancos. A economia americana sucumbiu.
As repercussões da crise para os Estados Unidos foram imediatas e foram se disseminando por todo o país. Os resultados foram catastróficos para toda a nação.
Mas os problemas não se restringiram aos americanos. A crise se espalhou mundo afora e afetou fortemente os países europeus. Estes vinham recebendo considerável financiamento americano para o processo de reconstrução de suas economias devastadas e ainda combalidas pelos efeitos da Primeira Guerra Mundial.
A crise assolou o continente europeu de forma tão grave como os Estados Unidos. Além dos americanos, a Grã-Bretanha, a Bélgica, a Suécia, a Áustria, a Noruega, a Dinamarca e a Alemanha atingiram níveis acima de 20% no desemprego.
A fundação da UNIAPAC: O elo entre os empresários cristãos
É neste contexto de grave crise econômica, elevado índice de desemprego, miséria e fome que empresários católicos europeus, que já vinham trabalhando em conjunto para encontrar melhores soluções para minimizar as mazelas sociais, se unem de forma definitiva em torno de uma associação. Em 1931, por ocasião do 40º aniversário da Encíclica “Rerum Novarum”, nasce a UNIAPAC, fundada pelas federações patronais católicas holandesas, belgas e francesas, e com observadores da Itália, da Alemanha e da Tchecoslováquia, como a “Conferência Internacional das Associações Católicas de Empregadores”.
Em 1946, a entidade se estabelece definitivamente como uma organização e adota o nome de Union Internationale des Associations Patronales Catholiques – UNIAPAC.
Desde o início inspirada no pensamento social cristão, a entidade tem como objetivo promover entre os empresários a visão e a aplicação de uma economia livre que sirva à pessoa humana e ao bem comum da humanidade em geral.
Atualmente, a UNIAPAC é uma organização ecumênica e internacional, sem fins lucrativos, com sede em Paris, que federou associações cristãs de todo o mundo.
Sua ação principal é estudar e disseminar a aplicação do Ensinamento Social Cristão no ambiente do trabalho, na vida das pessoas e na sociedade em geral, promovendo uma transformação em uma busca permanente pelo “Bem Comum”, contribuindo de forma substancial com a construção de uma sociedade mais justa e humana, tendo ao centro de tudo a dignidade da pessoa humana.
A UNIAPAC atua como elo entre associações cristãs de executivos de negócios em todo o mundo, para facilitar intercâmbios e ser reconhecida mundialmente pela promoção da empresa como uma vocação nobre.
Hoje, a UNIAPAC reúne associações cristãs de líderes empresariais de 40 países da Europa, da América Latina, da África e da Ásia. A entidade representa mais de 45.000 executivos de negócios altamente ativos em todo o mundo, trabalhando em vários setores importantes da economia global.
Existem mais de 100.000 executivos de negócios relacionados em todo o mundo, criando uma rede global de mais de 3.000.000 de pessoas.
No Brasil, a UNIAPAC chegou em 1961 com a fundação da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa de São Paulo – ADCE/SP, tendo se expandido para vários estados e municípios brasileiros.
A Encíclica Rerum Novarum: Um caminho
Como a primeira encíclica a tratar concretamente a condição dos trabalhadores, a Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, de 15 de maio de 1891, representa um marco na doutrina social cristã. Não só porque é o primeiro documento oficial e explícito que trata de problemas sociais e econômicos, mas também porque oferece uma forma clara de como se compreende a Doutrina Social da Igreja. Ela pode ser considerada um marco na compreensão que temos sobre as relações de trabalho e sociais.
A Encíclica aponta “a Economia como meio de conciliação de classes” e afirma:
“A violência das revoluções políticas dividiu o corpo social em duas classes e cavou entre elas um imenso abismo. De um lado, a onipotência na opulência: uma facção que, senhora absoluta da indústria e do comércio, desvia o curso das riquezas e faz correr para o seu lado todos os mananciais; facção que aliás tem na sua mão mais de um motor da administração pública. Do outro, a fraqueza na indigência: uma multidão com a alma dilacerada, sempre pronta para a desordem.
Ah, estimule-se a industriosa atividade do povo com a perspectiva da sua participação na prosperidade do solo, e ver-se-á nivelar pouco a pouco o abismo que separa a opulência da miséria, e operar-se a aproximação das duas classes. Demais, a terra produzirá tudo em maior abundância, pois o homem é assim feito: o pensamento de que trabalha em terreno que é seu redobra o seu ardor e a sua aplicação. Chega a pôr todo o seu amor numa terra que ele mesmo cultivou, que lhe promete a si e aos seus não só o estritamente necessário, mas ainda uma certa fartura. Não há quem não descubra sem esforço os efeitos desta duplicação da atividade sobre a fecundidade da terra e sobre a riqueza das nações.
A terceira utilidade será a suspensão do movimento de emigração; ninguém, com efeito, quereria trocar por uma região estrangeira a sua pátria e a sua terra natal, se nesta encontrasse os meios de levar uma vida mais tolerável.”
O contexto no Brasil: Guerra Fria, Marxismo e renúncia
O ano de 1961 prometia momentos de grande apreensão política.
No cenário internacional a Guerra Fria já era uma realidade e o Marxismo se debruçava como uma ameaça preocupante. Era flagrante o receio dos povos que suas nações pudessem aderir às teorias socialistas/comunistas.
O Brasil estava iniciando o ano com a troca no comando da nação. Em 31 de janeiro de 1961, o presidente Jânio Quadros assumira o cargo das mãos de Juscelino Kubitschek de Oliveira.
O governo que saía tinha implementado ações desenvolvimentistas na república brasileira, comandada no dia a dia sob o lema de “cinquenta anos em cinco”.
Obras estruturais de enorme importância haviam sido efetivadas, mas com uma elevada repercussão para a economia do país: a construção da capital federal, Brasília, as usinas de Furnas e Três Marias, e outras tantas obras geraram uma alta inflacionária. Somando o fato da concentração de renda ter aumentado, alguns brasileiros tinham enorme preocupação quanto ao futuro.
Ao assumir a presidência da República, Jânio Quadros e o novo governo haviam decidido enfrentar esta situação priorizando o combate à inflação. Para tanto, congelaram salários, restringiram o crédito e impuseram uma austeridade econômica.
A população havia se acostumado com os anos “JK”, que foram de enorme atividade e melhorias estruturais, prevalecendo à construção da nova Capital Federal. Brasília gerava uma falsa sensação de sucesso e certa euforia. Para o cidadão comum, a conta estava chegando na forma de inflação e arrocho econômico.
O descontentamento popular era enorme e rapidamente chegou ao Congresso Nacional. E os parlamentares ecoavam as reclamações da população com estridente gritaria contra o Governo Federal.
Com apenas sete meses de mandato, o governo havia enfrentado problemas e atritos em diversas áreas. No Congresso, os embates estavam se acirrando de forma a pressionar o presidente da República. Para surpresa da nação, em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou ao cargo de presidente do Brasil.
Renúncia consumada, o poder deveria ir para as mãos de João Belchior Goulart, o Jango, como era conhecido. Jango era o vice-presidente, e como determinava a Constituição Federal, deveria assumir a presidência da República. Em viagem diplomática à China, o vice-presidente foi advertido pelos militares que não retornasse ao Brasil para assumir o cargo, pois seria preso.
O país entrou em ebulição e a ameaça à posse de Jango gerou uma grave crise política, levando o país à beira de uma guerra civil. A ação dos militares e conservadores mobilizou a esquerda para garantir a posse.
Leonel de Moura Brizola, que era cunhado de Jango e governador do estado do Rio Grande do Sul, iniciou o Movimento da Legalidade pela posse e entrincheirou-se no Palácio Piratini coordenando uma campanha nacional de resistência.
João Goulart obteve apoio internacional e do povo brasileiro com ação do governador gaúcho, que orientou o vice-presidente que resistisse às pressões e retornasse ao país para assumir a presidência da República. Também prometeu ao cunhado resistência armada para garantir o cumprimento da Constituição.
Tancredo Neves foi enviado ao Uruguai, onde João Goulart se encontrava, como portador de uma proposta do Congresso Nacional para que assumisse a presidência da República, mas com um regime parlamentarista, com seus poderes de presidente reduzidos. Fechado o acordo, em 7 de setembro de 1961, João Belchior Goulart assumiu a presidência da República do Brasil.
Mas o novo governo provocou polêmicas logo no início, com declarações e medidas que os conservadores avaliaram que abririam caminho à esquerda radical para se apossar do centro do poder.
Setores da sociedade pressentiram que isto poderia levar o país por um caminho muito difícil, com sérios atritos sociais, que facilmente poderiam desembocar numa guerra civil.
ADCE São Paulo: Fundação 1961
A criação da UNIAPAC na Europa incentivou empresários cristãos de outras regiões a seguirem o exemplo. Entidades nacionais e regionais começaram a ser criadas em outros países, tendo chegado a América do Sul em 1948, no Chile, com a adesão dos empresários cristãos chilenos.
Assim como no Chile, em 1952 foi a vez dos empresários cristãos uruguaios aderirem ao movimento. Em 1953, chega à vez dos dirigentes cristãos argentinos, que, seguindo os passos dos uruguaios, também se associaram à UNIAPAC.
Nesta época, empresários brasileiros já se mostravam inclinados a aprofundar o conhecimento sobre a Doutrina Social da Igreja, visando à aplicação em suas empresas e a disseminação destes ensinamentos na sociedade. A maior parte deles militava em movimentos do tipo Cursilhos de Cristandade, Movimento Familiar Cristão, Equipes de Nossa Senhora. Tais associações lhes davam estímulo para a vivência pessoal e familiar. Mas queriam algo para as empresas que dirigiam ou onde atuavam em cargos executivos. Por isto, em São Paulo, crescia o interesse por criar uma associação que pudesse congregar empresários cristãos com os mesmos objetivos dos colegas chilenos, uruguaios e argentinos. Esse propósito chegou ao padre Leonel Corbeil, diretor do Colégio Santa Cruz, conselheiro militante de algumas daquelas organizações. Atuando igualmente nos círculos franceses da capital paulista, passou aos interessados notícias ouvidas do empresário conde de Vaguée, presente no Brasil graças à filial da sua empresa Saint Gobain. O conde era também de palavra decisória na atuação do CPFC – Centre Français du Patronat Chrétien que cumpria na França a finalidade almejada pelos empresários brasileiros.
Vaguée proporcionou um encontro entre dirigentes e providenciou a remessa de material informativo sobre o tema. Estas publicações davam conta da existência de uma entidade, de âmbito mundial, que trazia em seus objetivos exatamente o mesmo que os empresários brasileiros procuravam: tratava-se da UNIAPAC- Union Internationale Chrétienne de Dirigeants d’Entrepise.
Os movimentos em direção à fundação de uma associação com estas características continuaram.
Em busca de uma forma de concretizar a entidade, alguns empresários mais entusiasmados se encontraram com o arcebispo paulistano e com o dirigente mundial da UNIAPAC, Giuseppe Mosca, que havia vindo a São Paulo tratar de assuntos comerciais, e protagonizaram uma reunião com o intuito de aderir formalmente ao movimento.
Mesmo sem sucesso imediato, os empresários paulistas não desistiram. Mas tiveram a noção de que seria preciso mais esforços e dedicação para conseguir atrair mais interesse.
Em 1957, um fato distante veio ao encontro do objetivo brasileiro. No Congresso Mundial da UNIAPAC, realizado em Montreal, no Canadá, o chileno Sérgio Ossa Pretot foi eleito vice-presidente da organização.
Pretot foi o primeiro latinoamericano a assumir o cargo, e se transformou em um incentivador da entidade na América do Sul. Uma de suas prioridades foi trabalhar pela chegada da UNIAPAC a mais países, expandindo a entidade no continente sul-americano.
Em 1961, dando seguimento à missão, o chileno veio ao Brasil e ficou por três dias em São Paulo mantendo reuniões com empresários paulistas, esclarecendo sobre a UNIAPAC e incentivando a fundação de uma associação do gênero no Brasil.
No livro “A ADCE e o Brasil – A História de Um Ideal”, Hernani Donato registra que José Ulpiano de Almeida Prado, atuante naqueles encontros, narrou sobre os mesmos: “Fui procurado por José Antônio Esteves, meu companheiro de trabalho no mercado de algodão, prevenindo-me que chegaria do Chile um senhor para conversar sobre o problema social via a Doutrina Social da Igreja. Tratava-se de homem bem informado e interessado em nos ajudar.
Contatos foram realizados com pessoas que supusemos motivadas para ouvir e participar do encontro, entre elas os padres que haviam mantido contatos com o padre Dupois. Numa segunda-feira, na minha sala de Presidente da Bolsa de Mercadorias de São Paulo, introduzi o enviado chileno para falar aos amigos ali reunidos. Com grande felicidade todos verificamos que a sua proposta se coadunava com nossos propósitos e anseios. Ele ficou três dias conosco.”
Esta motivação foi fundamental para que o grupo mais entusiasmado desse seguimento na tarefa. O aprendizado nestes três dias com Pretot, associado aos conhecimentos adquiridos anteriormente, deram a base necessária para a confiança de promover a fundação de uma entidade que unisse empresários cristãos, objetivando o aprendizado e a prática da Doutrina Social Cristã nas empresas. O grupo tomou as primeiras decisões em direção ao estabelecimento da entidade. Foi definido o nome, que permanece até os dias atuais, Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa – ADCE. Por unanimidade, decidiram convidar o Padre Leonel Corbeil para ser o assessor doutrinário. Também decidiram que a entidade deveria ser filiada a UNIAPAC e que imediatamente seriam realizados esforços para tanto. Como principal objetivo, elegeram que a entidade deveria: “deixar claro que para salvar a dignidade da pessoa, a liberdade, a estabilidade das empresas, só existe uma doutrina, a cristã. Que a empresa, além da sua função econômica de produtora de bens e de serviços, cumpre a função social que se realiza através da promoção dos que trabalham e da comunidade na qual deve integrar-se. A Associação consideraria como seu maior desafio fazer diminuir progressivamente o fosso existente entre o cristianismo pessoal – aquele vivido dentro da Igreja e o cristianismo comunitário praticado no dia a dia da empresa”.
Para a missão de dar forma legal e tomar todas as providências necessárias para tornar a associação uma realidade, foi escolhido Luiz Arrôbas Martins, um grande conhecedor da Doutrina Social da Igreja e grande advogado.
Assim, a 29 de março de 1961, nasce a ADCE no Brasil, com a fundação da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa, na cidade de São Paulo, SP.
A ata de constituição da entidade contém as assinaturas dos fundadores da ADCE: Ernesto George Diederichsen, José Ulpiano de Almeida Prado, Elias Corrêa de Camargo, Waldir de Affonseca, Alain C. E. Moreau, Newton Cavalieri, Paulo Egydio Martins, Paulo Nogueira Neto, J. Haroldo Falcão, Eduardo de Campos Salles, Luiz Arrôbas Martins e Romeu Trusardi Filho.
As primeiras ações: Declaração de Princípios
Estabelecida a entidade, os fundadores iniciaram as atividades para promover o estudo do Ensinamento Social Cristão e a forma de aplicar os seus fundamentos e preceitos nas empresas dos associados. Também deram vazão a contatos com outras empresas visando à mesma finalidade.
O ambiente político interno e externo era conturbado e alguns empresários se interessaram por uma associação que ofertava uma visão distante do comum. Entretanto, muitos se perguntavam qual a real finalidade da ADCE? O que a associação pretendia de fato?
Na avaliação dos membros da novíssima entidade, estes questionamentos deveriam ser esclarecidos com rapidez e profundidade, como forma de facilitar o entendimento dos candidatos a novos participantes. Foi decidido elaborar um documento que pudesse atender à necessidade de clarear os propósitos da associação. A redação final do mesmo é atribuída a Luiz Arrôbas Martins.
O passo seguinte foi dado em 7 de agosto de 1961, quando foi proclamada a Declaração de Princípios da ADCE. O documento esclarecia os objetivos da associação e afirmava a necessidade de seguir aquelas diretrizes em prol do bem comum.
Sua divulgação foi um sucesso e a sociedade carente de um caminho seguro sentiu confiança nas afirmações contidas na declaração. A imprensa também aderiu ao pensamento expresso no documento, divulgando amplamente sua existência. A ADCE ganhou o noticiário e viu crescer enormemente a adesão ao seu quadro de associados. Vinham convocações de grupos de empresários de outros estados em busca de orientação e suporte para criarem núcleos locais da entidade.
Credenciamento UNIAPAC: XI Congresso Mundial no Chile
O sucesso alcançado com a Declaração de Princípios mostrou que a atuação somente em São Paulo não atenderia ao que a sociedade necessitava naquele momento. Seria necessário expandir para outros estados e se tornar filiada à entidade internacional que estava servindo de base para as ações que estavam realizando. Fazer parte da UNIAPAC passou a ser uma necessidade para dar respaldo e reconhecimento à ADCE.
A realização do XI Congresso Mundial da UNIAPAC, no Chile, em setembro de 1961, pareceu a oportunidade certa para pleitear a filiação da ADCE àquela entidade. Para tanto, foi enviada uma delegação de paulistas ao evento, que requereu o credenciamento almejado. Este foi concedido, entretanto, em caráter provisório. A entidade internacional recomendou fortemente que a ADCE, que operava em São Paulo, deveria se expandir a nível nacional para ter o credenciamento definitivo. Com um mínimo de sete associações regionais já seria considerada uma federação nacional e teria esta confirmação.
Expandir passou a ser uma prioridade. Waldir de Affonseca e Elias Camargo foram encarregados de visitarem outros estados para incentivar a criação de novas regionais. Tudo era novo. Havia até incompreensões e oposições: “Para que ADCE se já existe a FIESP, o SENAI, o SENAC?” A Declaração de Princípios ajudava na resposta.
A primeira prova dos princípios
O primeiro grande teste aos princípios adeceanos veio com uma empresa de elevadores, que estava insolvente e em situação delicada no relacionamento com os funcionários. Estes, contrariados pela falta de uma solução, eram sujeitos a convites para ações violentas de depredação do patrimônio da empresa. A negociação não avançava. Entre 18 e 28 de janeiro de 1962, a ADCE mediou o conflito. Ouviu as partes e consultores técnicos. E, baseada na Doutrina Social Cristã, sugeriu a socialização da empresa pela venda de ações aos funcionários.
Reunião do CCDAL
A associação, ainda novata, já tinha compromisso internacional para cumprir. Nos dias 24 e 25 de março de 1962, foi realizada em São Paulo a reunião do Conselho Central da América Latina – CCDAL, que reiterou a necessidade da entidade se expandir pelo Brasil, criando mais regionais que dessem suporte às ações fora do estado de São Paulo.
O início das regionais
O Brasil vivia momentos de expectativa em torno do comportamento do presidente da República, pois muitos viam no mesmo o encaminhamento do Brasil para o rumo de república sindicalista-socialista. Enquanto, o presidente Jango agia na direção socialista, reações também extremadas eram implementadas pelo conjunto de forças conservadoras e de parte do meio militar do país. Neste contexto de antagonismos, a ADCE se mostrava uma entidade centrada.